quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Vida de elétron

Vida de elétron

Belmiro Wolski


Em meio a uma banda proibida em uma nuvem eletrônica, alguns
elétrons conversam para passar o tempo.

- Este lugar está muito chato. Não há nada para fazer.

- Concordo - respondeu outro elétron -Isto aqui é uma prisão. Deviam acabar
com essas malditas camadas de valência.

Um terceiro elétron entra na discussão:

- Pois eu logo vou sair daqui. Aposto todo dia na loteria eletrônica e
pretendo ganhar um fóton altamente energético. Com ele vou dar um salto
quântico e me tornar um elétron livre.

O primeiro elétron, esboçando um sorrisinho de deboche, rebate:

- Vã esperança. Você sabe bem que o tunelamento quântico é muito difícil de
acontecer.

Ouvindo a conversa acirrada dos colegas, um velho elétron, segurando sua
bengala, que com dificuldade mantinha seu spin alinhado, esbanjando
sabedoria intervém:

- Há milhões de unidades de tempo estou confinado neste lugar. Já fiz parte
do tecido de estranhas criaturas como os dinossauros. Já vi muitas coisas
estranhas acontecerem. Vocês jovens, só pensam em liberdade. Pois saibam que
a vida lá fora é muito difícil, muito perigosa. A qualquer momento um
elétron pode ter seu fim decretado pelo choque com outras partículas ou
radiações energéticas. Além do mais, a vida de um elétron livre não é
permeada de glórias. Não fosse assim , eles não vivam tentando se
recombinar.

Enquanto isso, em um condutor, um bando de elétrons também jogam conversa
fora.

- Não estou legal hoje. Minha função de onda me diz que a probabilidade de
eu estar com vocês aqui neste momento é quase zero. Entretanto eu estou
aqui. Deve ser por isso que não estou me sentindo bem.

- Que nada - refuta um colega - Também senti isso quando me apaixonei por um
próton em um colisor de partículas. Quase perdi minha carga elétrica por
ele.

- É, mas eu não estou apaixonado. Além do mais, não costumo freqüentar esses
lugares.

- Por que ? Tem medo das bizarras partículas que por lá aparecem?

- Com certeza! Um amigo meu certa vez deu de cara com um pósitron. Foi
aquela explosão de energia. Emitiu um fóton e acabou reencarnando como outro
elétron. Nunca mais nos vimos.

Nesse ínterim, um elétron ofegante chega em polvorosa.

- Pessoal! Estamos sendo observados. Estão tentando medir nossa posição e
quantidade de movimento.

- Essa turma não aprende mesmo!- exclama o elétron líder do grupo - Todos
comigo agora. Vamos usar o plano B. Quando eles tentarem medir nossa
posição, todos usam sua natureza ondulatória para confundí-los. Em seguida,
todos andam em zigue-zague para impossibilitar a medição da velocidade.

E assim foi feito. Novamente não se conseguiu medir com precisão a posição e
velocidade, preservando intacto o princípio da incerteza de Heisenberg.
Passado o susto, os elétrons se reúnem novamente para comemorar o sucesso da
operação.

- Valeu pessoal! Conseguimos novamente. No entanto, não podemos
baixar a retaguarda, pois com certeza eles irão tentar de novo.

Em meio a euforia, com alguns elétrons até emitindo alguns fótons, eis que
de repente alguém grita:

- Oh não ! Lá vem um campo elétrico. Seremos arrastados novamente através
das camadas de condução.

- Isto não é nada - retruca outro elétron - O pior será quando tivermos que
realizar trabalho através da resistência que certamente encontraremos pelo
caminho. Já estava até acostumado com essa boa vida.

- Animem-se colegas - grita um terceiro elétron, já sendo arrebatado pelo
campo elétrico - Pelo menos estaremos viajando em baixa velocidade e não
sentiremos o aumento relativístico de nossas massa com a velocidade, o que
certamente nos deixaria ainda mais cansados.

E assim, milhares de milhões de elétrons foram arrastados através do
condutor, cumprindo cada um sua missão de promover o curso natural do
continuum espaço-tempo.

E na banda proibida, o papo continua.

- Ei ! Quer fazer o favor de sair do meu lugar? Não sabe que não é permitido
dois elétrons ocuparem o mesmo nível de energia ao mesmo tempo? Está
pensando que é um bóson?

- Tudo bem - desculpa-se o elétron - Mas também não precisa ofender. Conheço
o princípio de exclusão de Pauli e sou férmion com muito orgulho. Aliás,
odeio aquela turma do spin integral.

- É, mas bem que você gosta de um fotonzinho de vez em quando para ficar
mais excitado.

- Ora, é intrínseco da natureza. Mas que eles são metidos, são. Só porque
não têm massa e viajam na velocidade da luz se acham os maiorais. Nem noção
do tempo eles têm. Esquecem eles que durante a fase de alta energia do
universo eles eram mera parte integrante do bóson de Higgs. Já os bósons W+,
W- e Z0 da força fraca, os glúons e os gravítons são gente boa. Talvez seja
porque a gente não tem nenhum tipo de interação com eles.

- Não sei porque sua implicância com os fótons. Que mal lhe fizeram?

- Pois bem, vou lhe contar - falou o elétron, alinhando seu spin - Certa
vez, ao receber um fóton, fiquei tão excitado que acabei tendo um
relacionamento íntimo com outro elétron. Logo em seguida, ele foi embora
para muito longe. Foi aí que os problemas começaram. Comecei a sentir
estranhas sensações. De repente meu spin realinhava sem a minha vontade e
estranhas forças se apoderavam de mim. Mais tarde, fiquei sabendo que o
elétron com o qual eu me relacionara também sentira as mesmas sensações.
Isto durou muito tempo e foi muito ruim. O velho elétron, que é muito sábio,
me disse que isso é comum. Que nós elétrons sentimos as mesmas reações que
os parceiros com os quais nos relacionamos em algum momento, mesmo que eles
estejam bem distantes. Esse mal é conhecido como ação à distância. Dizem que
até Einstein se recusava a acreditar nessa coisa fantasmagórica.

Enquanto os elétrons continuam seu colóquio, um enorme campo elétrico surge
entre os extremos da estrutura molecular. É tão intenso que tensiona os
elétrons em relação ao núcleo. Apavorados, sem saber o que está acontecendo,
eles cedem à extrema força do campo elétrico, que arrebata-os.

Estavam finalmente livres

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